Por
exemplo, este senhor parado na minha porta, me olhando. Ele está bem ali. O
quadro dele é terrível, não vai mexer nada do corpo e é capaz, que tenha
seqüelas no cérebro. Está todo quebrado. Perdeu a esposa no acidente, a culpa
não fora deles. Ninguém entenderia se ouvisse, mas não vai ter ninguém para
cuidar dele como precisará. Eu estou quebrado também. Muito aborrecido. Muito
decepcionado com a vida. A mesma vida
que quero dar a eles, mas... Na verdade, eu queria entregar como era antes.
Viro-me e pergunto a ele:
- O
que você quer Jorge?
Ele
nada faz, ele está olhando para o corpo dele, decepcionado com tudo o que lhe
aconteceu, soube que ela morreu e que ele não tem ninguém. Então eu faço o
pior. Suspiro e me levanto daquela cadeira dura, olho bem para ele e me inclino
até o seu ouvido. Olho o colchão com o olhar preso nele para não tentar ver o
que vai acontecer. É instantâneo. Eu digo:
-Não
há culpa em ir embora, amigo, a escolha é sua. Se estiver, agora mesmo de olho
em você, é porque te deram a chance de escolher. Faça o melhor por você e eu
farei também. De qualquer forma, você não está sozinho.
E me
ergo olhando a janela. Viro meu rosto para ele e ele agora me olha. Sim, ele me
ouviu. Seus olhos azuis iluminam seus cabelos brancos. Ele está triste. E eu
devastado. No fim, eu também sempre morro. Ele olha novamente para seu corpo. Desfaz-se
dele com um aceno, um tchau. E vira-se para a porta e vai embora. No mesmo
instante, eu ouço as máquinas apitarem. Outros médicos chegam. Eu me sento na
mesma cadeira e continuo olhando a janela. Porque ali vem a melhor parte.
Enquanto
meus companheiros tentam em vão salva-lo, ele atravessa um jardim e abraça a
sua esposa enquanto o sol brilha como se nascesse deles. Do reencontro deles. É
sempre assim, sempre vem alguém buscá-los.
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