quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Há 2 anos.

Oi, como vc ta?
 
Eu ainda to sonolenta de ontem a noite. Mas não é sono de dormir não, é me sentindo como se tivesse sonhado. Sei la, parece tudo distante e surreal como um sonho, mas tão meu. *.*

Deu um pouco de tristeza e eu nem sei como explicar o porque. É meio nostalgia, lá do fundo até na superfície. É incerto, mas é tão isso e desse jeito que acaba sendo mais certo que a negativa, entende? Eu fiquei realmente feliz com ontem.

É porque de alguma maneira você me faz me sentir em casa no mundo. Confortável.

Eu tenho uma forte impressão de que mesmo em todo o mundo, após minha família ir embora, que a única pessoa a se conviver seria com você, mas é uma forte impressão. Agindo com cautela. Não por você, mas por mim. Eu fechei minha alma a tal ponto que durante dias, meses eu não me permitir tentar nada além de trabalhar. O fútil e o superficial foi declarado somente uma vez, como te contei no último email, mas não consigo me ver com ninguém, nem gostando de ninguém e esse é outro  ponto que me deixa muito confortável no mundo.

Estou feliz de você estar bem de verdade. Feliz de você ter me ligado. A sua voz, ela pertence á tudo aquilo que guardei me fez imenso bem.

qql coisa, to por aqui.

bjo

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Nas Margens do Tempo


Boa Tarde,

A ideia sobre a vida é meio ultrajante. Somos presos ou somos livres? Nós amamos por amor ou nós amamos para sermos amados? Nós fumamos para esquecer ou fumamos para lembrar?
Lemos por ideologia ou lemos por solidão?
E todos esses corações partidos, coturnos, cervejas e punk? E toda a bossa nova, o velho samba, os milagres de se estar de pileque? A culpa é de quem?

Quando menina ouvia aquela música com a língua presa, de um jeito meio jogado, um tanto doído. De todo modo era impossível não amar. E a gente cresce com um ídolo por liberdade ou por solidão, deixa um legado diferente da massa. Morreu de Aids. E quando se sabe disso por cima, você pensa que é uma pena, que é ruim. Mas meu caro, é bem mais profundo que isso. Bem mais forte que a nossa própria fortaleza. E então, milhões de nós tem aids. E milhões de nós conhecemos alguém que tenha. Aí, a história muda completamente. Como meu amigo Tony, um soro positivo de 24 anos que está até hoje com 24 anos. O cara que tinha dinheiro, amigos, as melhores festas. Nunca ficava sem roupa, nem sozinho. E que descobriu muito tarde sobre a doença e não deu para barrar as consequências. Daí foi hospital, choros e por fim, velas.
Eu não vi as velas, nem seu corpo, eu tinha 18 anos. Do Tony, eu tenho as suas orações, o seu sorriso, a sua eterna solidão. E eu tenho a sua foto comigo. E essa saudade que ficou no lugar da sombra.

Para aqueles que ainda estão conosco, há uma infinita verdade sobre as suas necessidades. O quanto tudo é caro e difícil quando não se tem a imunidade. O quanto sonhar e viver parece um tanto tortuoso, mas caramba, como a  gente quer viver, certo?

07 de maio, no setor universitário, haverá um SHOW no St. Universitário gratuito - Nas Margens do Tempo com o músico Pedro Scalon- o leão. A renda dos artistas será doada á instituição VIVA CAZUZA. A finalidade é ajudar no tratamento e com os remédios dos soros positivos.

Para que eles que não nos deixem só uma foto, mas todas. Todas.


E até o tempo... passa arrastado, só pra eu ficar ao teu lado!!!
Eu preciso dizer que eu te amo, tanto...


San Kranavagh


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Trecho - A Sociedade

Por exemplo, este senhor parado na minha porta, me olhando. Ele está bem ali. O quadro dele é terrível, não vai mexer nada do corpo e é capaz, que tenha seqüelas no cérebro. Está todo quebrado. Perdeu a esposa no acidente, a culpa não fora deles. Ninguém entenderia se ouvisse, mas não vai ter ninguém para cuidar dele como precisará. Eu estou quebrado também. Muito aborrecido. Muito decepcionado com a vida.  A mesma vida que quero dar a eles, mas... Na verdade, eu queria entregar como era antes. Viro-me e pergunto a ele:
- O que você quer Jorge?
Ele nada faz, ele está olhando para o corpo dele, decepcionado com tudo o que lhe aconteceu, soube que ela morreu e que ele não tem ninguém. Então eu faço o pior. Suspiro e me levanto daquela cadeira dura, olho bem para ele e me inclino até o seu ouvido. Olho o colchão com o olhar preso nele para não tentar ver o que vai acontecer. É instantâneo. Eu digo:
-Não há culpa em ir embora, amigo, a escolha é sua. Se estiver, agora mesmo de olho em você, é porque te deram a chance de escolher. Faça o melhor por você e eu farei também. De qualquer forma, você não está sozinho.
E me ergo olhando a janela. Viro meu rosto para ele e ele agora me olha. Sim, ele me ouviu. Seus olhos azuis iluminam seus cabelos brancos. Ele está triste. E eu devastado. No fim, eu também sempre morro. Ele olha novamente para seu corpo. Desfaz-se dele com um aceno, um tchau. E vira-se para a porta e vai embora. No mesmo instante, eu ouço as máquinas apitarem. Outros médicos chegam. Eu me sento na mesma cadeira e continuo olhando a janela. Porque ali vem a melhor parte.

Enquanto meus companheiros tentam em vão salva-lo, ele atravessa um jardim e abraça a sua esposa enquanto o sol brilha como se nascesse deles. Do reencontro deles. É sempre assim, sempre vem alguém buscá-los.